Porque não tornar realidade?

As neurociências vêm incorporando à psiquiatria sofisticados recursos para o diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais. Porém, o custo ainda é elevado. No entanto, qualquer estudo de Farmacoeconomia demonstrará fartamente que vale a pena investir na modernidade, visto que a utilização racional dos melhores recursos disponíveis baixa sobremaneira os custos diretos e indiretos, diminuindo em porcentual majoritário o impacto causado pela doença. Desafortunadamente, na prática, o acesso à tecnologia de ponta fica restrito a uma privilegiada minoria mais abastada. Na clínica privada, onde os usuários via de regra possuem melhor nível socioeconômico e cultural, podemos conseguir rapidamente resultados de exames sofisticados, receitar remédios caros, interagir com colegas de outras especialidades e, quando se torna necessária uma internação, os doentes são removidos por serviços especializados para clínicas pequenas e bem estruturadas, onde o tempo médio de permanência é baixíssimo, atendendo episódios agudos e prontamente devolvendo o indivíduo ao convívio familiar e social. Para as elites, a “Reforma Psiquiátrica” já foi feita há muito tempo. A “desospitalização” decorreu simplesmente da pressão econômica, visto que as diárias das clínicas particulares são dispendiosas e os pacientes podem continuar seus tratamentos nos consultórios, desde que medicados adequadamente, incluindo-se psicoterapias. O resultado é a reintegração social e a volta ao trabalho. As famílias, recebendo os pacientes em condições favoráveis, preferem tê-los em suas casas, custeando somente a medicação e as consultas. Mantendo-se o tratamento de forma regular e ininterrupta, caem muito as chances de recaídas, elevando-se a “qualidade de vida”.
No Serviço Público, que atende as classes mais pobres, tristemente constatamos uma realidade inteiramente oposta. Filas nos ambulatórios, instalações inadequadas, hospitais obsoletos, alternativas insuficientes para os mesmos, falta de medicamentos, nenhum acesso a recursos tecnológicos, ações incoordenadas entre as equipes, baixo comprometimento, desorganização, desperdício de recursos humanos e financeiros. O resultado é um alto índice de recaídas, hospitalizações repetidas e prolongadas, rejeição pelas famílias e a cronificação, caindo vertiginosamente a “qualidade de vida”. O custo para a sociedade será muito mais alto. Não é possível promover a desospitalização por decreto. É imperioso criar estruturas mais ágeis, oferecer medicamentos de melhor qualidade, modernizar equipamentos, coordenar ações, elaborar programas de atualização continuada, realizar trabalhos de psicoeducação junto às comunidades e, principalmente, pautar as condutas em princípios cientificamente comprovados. O investimento inicial não será tão grande, propiciando uma economia monumental.
Uma medida facilmente exeqível e de baixo custo seria municiar as equipes de emergência dos hospitais públicos com Psiquiatras, assim como executar o atendimento pré-hospitalar das emergências psiquiátricas por equipes treinadas para tal, evitando que continue dependendo da boa vontade dos Bombeiros ou, eventualmente, da truculência (bem intencionada) da Polícia. Frequentemente, pacientes são contidos por familiares ou circunstantes e conduzidos de forma inteiramente atabalhoada aos Hospitais.
Um bom atendimento ambulatorial evita sobremodo as internações. Desta forma, estaremos dando os primeiros passos para proporcionar assistência de qualidade àqueles que não possuem recursos nem para pagar a passagem de ônibus que os levaria às consultas, quanto mais para comprar medicamentos.
Um elemento facilitador é o “Prontuário Informatizado”, de forma que qualquer Serviço possa levantar prontamente todas as informações prévias a respeito do usuário, evitando a repetição de condutas e o desperdício de tempo e dinheiro. Qualquer Seguradora de Saúde dispõe de tal sistema. Por que não o Estado?
Importantíssima também é a desestigmatização da Eletroconvulsoterapia, cuja eficácia e segurança estão sobejamente demonstradas em inúmeros estudos. Não é possível que nosso Estado se coloque na contramão da história, relegando esta moderna e eficiente ferramenta terapêutica ao descaso por puro preconceito e desinformação.


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