Genética, Ambiente e Psiquismo.

Nos últimos anos, as neurociências vêm progredindo geometricamente, subsidiando os estudiosos da mente com conhecimentos que permitem uma visão muito mais clara e abrangente do funcionamento cerebral e do comportamento. Eric Kandell, ilustre ganhador do prêmio Nobel de Medicina, elencou cinco axiomas fundamentais; 1 – Toda e qualquer ocorrência mental se deve a uma função cerebral. 2 – A genética é um componente importante do psiquismo. 3 – Fatores ambientais influenciam a expressão gênica. 4 – O aprendizado pode desencadear e perpetuar alterações na expressão gênica. 5 – As psicoterapias operam através do aprendizado. Os genes modificam o comportamento e o comportamento modifica os genes. Os processos biológicos não são determinados exclusivamente pela genética, nem a função precípua dos genes é a transmissão imutável de características de uma geração a outra. Não se trata de um sistema estanque cuja expressividade e penetrância sejam inflexíveis. Os genes são os moldes para sua própria replicação e determinam, em parte, o fenótipo através da transcrição genética. A “tarefa” biológica é prover as sucessivas gerações de cópias fiéis do patrimônio genético da espécie. A fidelidade da replicação só pode ser quebrada por mutações aleatórias, estando, portando, fora da influência ambiental. Embora todas as células de um mesmo organismo contenham todo o acervo genético disponível, apenas uma pequena parte dos genes se expressa. A função transcricional de um gene que vai redundar em sua capacidade de sintetizar proteínas é passível de regulação e responsiva a fatores ambientais. O DNA codifica e transcreve o RNA mensageiro, que por sua vez irá moldar uma nova cópia do DNA. Através da chamada regulação epigenética, diversos fatores como hormônios, estresse, aprendizado e interação sócio-ambiental podem modificar a transcrição e, portanto, a expressão gênica. Um gene único não determina um comportamento, mas o fazem vários circuitos neurais, envolvendo vários milhares de neurônios, cada um dos quais expressando genes específicos direcionados à síntese de determinadas proteínas. Todos os elementos necessários para a neurotransmissão, como os próprios neurotransmissores, receptores, canais iônicos, vesículas sinápticas, etc., são produtos gênicos constituídos por proteínas. O DNA contém todas as informações necessárias para dirigir a formação, a migração e a conexão de neurônios, assim como para eliminá-los ou fortalecê-los. Os processos mentais resultam do funcionamento adequado destes elementos. Para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, assim como de uma personalidade sadia e bem adaptada, é preciso que haja uma boa neurogênese, migração e seleção dos neurônios adequados, conexões sinápticas corretas e neuroplasticidade. O conhecimento sobre os problemas moleculares que acarretam no arranjo dinâmico dos neurônios e na neurotransmissão pode explicar características de personalidade, aptidões, diferenças de gênero, de inteligência, de memória, habilidades motoras e doenças.
Os gêmeos univitelinos, que possuem o mesmo genoma, devem creditar suas similaridades à genética e suas diferenças aos fatores ambientais. Tomemos como exemplo uma doença mental como a esquizofrenia. Sua incidência na população geral, independentemente da cultura, da geografia ou de época, é de 1%. Nos parentes de 1º grau de esquizofrênicos a incidência ultrapassa os 15% e no caso dos gêmeos monozigóticos vai além de 50%. Estes dados comprovam a importância da genética e também dos fatores ambientais na gênese da doença e, por dedução, nos comportamentos.
A experiência pode produzir alterações duradouras nas conexões neurais através de modificações da expressão dos genes e, por conseguinte, nos padrões de comportamento. Todo processo mental é biológico e as alterações destes processos são, necessariamente, orgânicas.
Existem evidências de que a predisposição para as doenças mentais é herdada em maior ou menor escala. Um DNA anormal pode emitir ordens para uma transcrição de um RNA anormal, resultando na síntese de proteínas anormais e toda a cascata de eventos pertinente a isto, como seleções, migração e conexões neuronais anômalas. No entanto, para que haja a eclosão da doença, é mandatório que um fator estressor ambiental suficientemente significativo venha desencadear a morbidade. Ou seja, um equipamento genético forte resite aos estressores mais poderosos, enquanto um genoma mais debilitado torna o indivíduo suscetível à doença mesmo com estressores fracos.
Estudos recentes vêm demonstrando fartamente que a principal modificação induzida pelo aprendizado é a formação de novas sinapses. A capacidade plástica dos neurônios faz com que, em condições favoráveis, possam fazer cerca de 1000 conexões em média cada um, perfazendo um total de 100 trilhões de conexões no sistema nervoso central. Estas sinapses são feitas e desfeitas dinâmicamente, conforme a demanda. Determinadas situações vitais podem abrir ou fechar circuitos neurais propiciando memórias implícitas ou explícitas.
Cada indivíduo se desenvolve num ambiente peculiar, exposto a diversas combinações de estímulos externos e internos e, embora mantendo as características básicas pertinentes à espécie, cada cérebro é singular e único. O patrimônio genético, somado às influências ambientais resulta na individualidade inimitável de cada ser humano.
A eficácia das psicoterapias repousa em sua capacidade de produzir, atuando nas rotas neuronais provenientes do córtex pré-frontal, alterações na expressão gênica, proporcionando modificações funcionais e mesmo estruturais no SNC, o que significa que não atuam num nível apenas abstrato nem sejam isentas de riscos. Da mesma forma, os tratamentos farmacológicos, atuando nas rotas neuronais provenientes da rafe, locus coeruleus, etc., induzem modificações na expressão genética, não sendo meros estimuladores ou inibidores do SNC. O ideal é que a farmacoterapia e a psicoterapia possam ser complementares e sinérgicas.

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